Aos olhos de muitos de nós, portugueses, a nossa industria automóvel é resumida a uma, talvez duas marcas de pequeno ou médio sucesso. A realidade é que a nossa industria é quase tão antiga quanto o automóvel em si. Hoje, iremos abordar a criação da FAP.
O Renascimento do Automobilismo Nacional...
No pós-Guerra surge no Porto graças a outro brilhante mecânico/piloto uma outra tentativa da criação de uma marca automóvel nacional. Graças à sua reputação enquanto célere piloto nos anos 20 e o seu vasto know-how na área da mecânica, Fernando Francisco Palhinhas a la Eduardo Ferrerinha com o Felcom, cria em 1950 a FAP (Fiat-Adler-Palhinhas) através da junção de dois automóveis. Palhinhas não só viria a criar a sua própria marca automóvel de produção e desenho nacional como viria a ser o pioneiro que levaria a um Renascimento do ambiente competitivo automobilístico em Portugal.
Fernando Francisco Palhinhas era já conhecido na década de 30 pela sua habilidade mecânica e extrema paixão pelo automóvel. Trabalhou durante anos a partir de uma oficina improvisada no rés-do-chão da sua habitação no Porto vindo a adquirir mais conhecimentos e ferramentas com o passar do tempo. Era de uma nata curiosidade pelo automóvel e o seu funcionamento que rapidamente se apegou às marcas menos conhecidas e até estranhas da altura. Essa mesma paixão pelo diferente seria o que levaria Palhinhas a comprar um Adler de tração dianteira no ano de 1935 mas seria só década e meia depois em 1950 que esse mesmo Adler viria a ver as competições nacionais.
Enquanto Palhinhas esperava pelo fim da Segunda Guerra Mundial, dedicou-se a um novo projecto. Juntar a carroceria leve do Adler Trumpf Junior Sport de construção alemã à durabilidade e robustez do chassis, motor e caixa de velocidades de um furgão Fiat de tração traseira. Apesar de ser uma receita em nada original (algo que teria sido já feito com o Felcom 20 anos antes), foi bastante falada pelos seus adversários na Rampa do Grandil por ser já na altura desactualizada por 15 anos. Mas a verdade é que a sua criação, registada na prova como FAP, viria mesmo a ganhar a prova na sua classe para surpresa de todos os participantes e espectadores. Fernando tirou proveito desta e todas as vitórias seguintes para publicitar a qualidade da sua oficina.
Seria só em 1951 que a FAP viria a tornar-se uma marca automóvel ao Fernando abandonar a sua plataforma Fiat/Adler para passar a desenhar e construir uma carroceria dedicada ao seu competitivo motor Fiat. Com base nos desenhos de um Osca MT4 1100 Siluro Spider, o novo FAP viria a pegar na mesma carroçaria de charuto com os faróis frontais embutidos dentro da grelha mas viria a ter portas, um para-brisas mais longo, saídas de ar laterais ao género de guelras de tubarão assim como guarda-lamas traseiros embutidos na carroçaria dando um aspecto menos agressivo que a sua inspiração. Durante esse ano, a FAP viria a apresentar mais dois modelos durante diversas provas da época automobilística. Nenhum dos novos FAP viria a ser igual ao anterior. Apesar dos chassis e motores Fiat manterem-se idênticos, a marca viria a procurar a melhor aerodinâmica através de alterações às entradas e saídas de ar, para-brisas, grelha frontal, guarda-lamas e traseiras.
A FAP tira proveito das inúmeras vitórias que soma ao longo dos anos vindo a alterar os seus carros e contratar mais pilotos para a sua equipa, um deles o inexperiente Abílio de Barros de apenas 19 anos que apenas com essa idade viria mesmo a tornar-se piloto principal da marca devido à sua rapidez em pista.
Ao longo desses anos, as carroçarias passariam a fechar-se cada vez mais. As outrora expostas rodas passam a integrar-se mais e mais dentro da carroçaria aerodinâmica das viaturas.
A evolução da carroceria do FAP.
Algo que a própria Mercedes só viria a replicar em 1954 no que é considerado por muitos como uma das mais famosas e carismáticas alterações de sempre à Formula 1. Fernando Palhinhas foi um dos pioneiros desta inovação mas os louros nunca viriam para si graças à enorme presença da Mercedes-Benz no automobilismo ao nível da escala global.
Seria em 1953 que a FAP entraria no mercado automóvel nacional com o seu primeiro modelo feito exclusivamente para a estrada, o FAP 53.
Dotado de uma carroçaria fechada de linhas elegantes e avançadas para época, era igualmente bem-equipado com um nível de acabamento claramente destinado ao comprador particular. Vários dos componentes incluindo os travões e sistema elétrico foram planeado e construídos pelo próprio Fernando Palhinhas mais uma vez mostrando as suas qualificações como mecânico mas também como visionário. Apesar do seu objectivo ser entrar no mercado particular, Fernando viria também a modificar o FAP 53 para as competições.
O novo FAP 53.
É nesta altura que chega uma das maiores controvérsias associadas ao mercado do automobilismo nacional. No Reino Unido, a Jaguar apresenta o seu novo modelo XK 120c que para espanto de muitos é exactamente idêntico ao FAP 53. Desde a volumetria, carroçaria, saídas de ar, aerodinâmica, guarda-lamas, para-brisas, até ao o espelho retrovisor, são idênticos ao do FAP. Apesar de diversos factores apontarem para o FAP ser o primeiro dos dois a ser criado e apresentado, a história turva leva-nos a questionar:
Terá sido o FAP 53 do brilhante Fernando Palhinhas uma das inspirações para o gigante inglês que é a Jaguar?
Ou terá sido o humilde FAP 53 que se inspirou numa das maiores marcas da história automóvel?
Infelizmente para a FAP, fora destas questões, o fim da sua história estaria mais próxima do que aparentava. Relaxamento nas regulações por parte do ACP face às cilindradas passando do limite de 1100cc para 1500cc nas competições nacionais levaram que carros de maior cilindrada pudessem participar na classe dos FAP levando a menos vitórias para a marca nacional. Numa última tentativa por parte de Palhinhas, a FAP mudou para motores TM da Peugeot de 1469cc mas já era tarde demais, a Porsche e a sua rival Denzel eram quem dominavam as pistas.
À face do esforço dos seus pilotos não ser suficiente para acompanhar os rivais e a sua crescente frustração com a perda dos pódios, Palhinhas decide vender todos os seus FAP produzidos a particulares e desistir da produção à grande escala.
Fontes:
Turbo
Motor24